Sexta-feira Santa ou "Good Friday"
- 3 dias depois
- 10 de abr. de 2020
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Nunca nenhum de nós pensou que a expressão “os tempos mudam” pudesse algum dia vir a ter tanto significado como tem tido. Os tempos sempre mudaram, mas nunca de forma tão repentina e drástica. Antes, as mudanças consistiam no abandono gradual de tradições, formas de ser e de agir, formas de viver e de trabalhar e na consequente adoção de novos comportamentos, de novas modas e de novos hábitos e modos de vida.
Hoje celebra-se um dos momentos altos da quadra pascal, a Sexta-feira Santa. Para um alargado número de pessoas, nunca este dia foi tão diferente! Há anos e anos atrás, neste dia, não se ouvia música alegre na rádio, não se podia falar alto e, no centro da cidade, havia mesmo polícia a cavalo a dispersar quem fizesse ruído (já não no meu tempo). As refeições eram frugais pois é dia de jejum e abstinência (agora pouco lembrado). Quando eu era miúda, durante a toda a quaresma não se podiam lançar foguetes e nós, miúdos, não podíamos riscar o chão para fazer as macacas onde brincávamos (não me perguntem porquê, já não me lembro). Todas as sextas-feiras da quaresma comíamos peixe e comida de menor valor pois a isso nos habituavam os nossos pais, por sua vez assim habituados pelos seus pais e pela longa tradição.
Nos nossos dias, a quaresma e a Sexta-feira Santa já não trazem esse peso, o peso da tradição, do hábito, da religião. No entanto, nunca como este ano foram um tempo de tão grande privação, de tão grande penitência e, certamente para muitos que julgavam ter perdido ou nunca ter tido esse hábito, nunca este tempo foi tão dedicado à oração e à prece.
Os quarenta dias da quaresma tornaram-se, ironicamente, uma quarentena longa e penosa, que apenas o facto de vivermos num mundo mais tecnológico nos permite atenuar, através de vídeo-camadas e telefonemas constantes. O mundo global em que vivemos, e que ajudou a disseminar a pandemia, é também o mundo que nos permite estar em contacto com os que estão longe, com os que não podemos abraçar ou beijar pessoalmente.
Nunca, como hoje, estivemos tão distantes dos nossos mas, ao mesmo tempo, tão próximos. Se antes visitávamos pais, irmãos e avós uma ou duas vezes por semana, agora damos por nós a ligar-lhes duas ou três vezes ao dia. Ligámos aos amigos, aos primos com quem já não falávamos há anos, aos tios que estão longe…
Na língua inglesa, um dos termos para denominar o dia de hoje é “Good Friday” e é assim que devemos pensar neste e em todos os dias que se seguem, como dias bons, cheios de esperança e de novos começos! Lembrem-se que, depois da tempestade, vem a bonança e que, depois desta tempestade súbita, virão certamente dias tranquilos, dias em que vamos dar mais valor às pequenas coisas, em que vamos ser menos exigentes connosco e com os outros, dias em que que vamos ser seguramente mais pacientes e humildes e em que vamos ter a capacidade de abraçar e agradecer tudo o que de bom surgir, por muito insignificante que seja.
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